O 1º Encontro LGBTQIA Indígena Guarani Kaiowá, realizado no último fim de semana, indicou cinco encaminhamentos para enfrentar as violações de direitos contra essa população. Eles envolvem a criação de oficinas de diálogo com os jovens nas próprias comunidades, a formação de agentes de saúde e de professores que atuam dentro das aldeias, o fortalecimento da rede de proteção abrangendo diferentes órgãos e instituições públicas, a elaboração de materiais informativos para distribuição nas aldeias e a construção de uma casa de acolhimento.
O encontro, que ocorreu na cidade de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, buscou fortalecer a identidade e a auto-organização da etnia, promover a visibilidade e a valorização da diversidade sexual e de gênero dentro das aldeias, construir estratégias de autoproteção contra a homofobia e a transfobia e discutir políticas públicas para garantir de direitos dessa população. Nesta sexta-feira (28), comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT.
O balanço é positivo na avaliação de Alessandro Santos Mariano, chefe de gabinete da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA , vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
“Foi um espaço de muita escuta sobre as violações de direitos e também um espaço de formação dos sujeitos em relação aos seus direitos. O encontro esteve também muito conectado à cultura e organização dos indígenas. Todas as mesas começavam com as falas dos indígenas”, disse, em entrevista à Agência Brasil, na qual abordou os resultados do evento. Ele acrescentou os momentos ligados à espiritualidade das comunidades, na abertura e no encerramento dos trabalhos.
A organização do encontro foi uma demanda que partiu da população Guarani Kaiowá, etnia que se concentra principalmente em Mato Grosso do Sul. Os indígenas, alinhados à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), conseguiram viabilizar o encontro em articulação com o MDHC, com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e com o coletivo Distrito Drag.
Igualdade
“O evento se configura como um marco na luta pela igualdade e pela visibilidade dos indígenas LGBTQIA Guarani Kaiowá, através do diálogo intercultural, da construção de redes de apoio e da incidência política, buscando garantir os direitos e a dignidade da comunidade. A união e a mobilização social são essenciais para construir um futuro mais justo e inclusivo para todos os povos indígenas”, avaliou a Apib em nota divulgada em seu portal. O texto aponta o encontro como um espaço seguro para diálogo e troca de experiências, com vistas à construção de estratégias de autoproteção contra discriminação.
Durante o encontro, o MDHC coordenou mesas para discutir questões relacionadas ao direito das populações LGBTQIA no Brasil, como o casamento homoafetivo e o nome social. Também promoveu debates em torno da compreensão em relação à identidade de gênero e orientação sexual. A pasta realizou ainda uma apresentação do serviço do Disque 100, responsável pelo recebimento de denúncias envolvendo violações de direitos humanos.
Outros órgãos do poder público também foram envolvidos. O Ministério da Saúde realizou oficinas sobre as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A Defensoria Pública da União (DPU) abordou a questão das violências e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promoveu conversas sobre saúde mental.
Houve ainda diferentes espaços de escuta, nos quais os indígenas puderam apresentar queixas e relatos envolvendo todos esses temas. Alessandro indica que o direito ao território foi um tema bastante abordado pelos participantes. “Uma das questões que a gente pode apontar a partir desse encontro é a necessidade dessa população ter o seu direito de ser LGBT na sua comunidade”, afirmou.
Ele lembra que, nos últimos três anos, houve três homicídios de indígenas LGBTQIA em aldeias guarani kaiowá ou próximas a elas. De acordo com Alessandro, como são crimes ainda não solucionados, não se sabe se os autores pertencem à comunidade ou se são invasores. Ele disse também que, além dos assassinatos, há outros casos registrados de violência contra indígenas LGBTQIA e os alvos são majoritariamente jovens.
“Possuem 15, 17, 18 anos. Como não se encaixam naquilo que é tido como padrão, pois têm uma característica de expressão de gênero que é diversa e que se manifesta por exemplo no cabelo, nos gostos, no jeito de se vestir, se tornam vítimas de violência. No encontro, a gente pôde escutar isso. Há uma dificuldade da família e da comunidade em entender e também quando saem da aldeia são alvos de violência na cidade, nas escolas e em outros espaços”, especificou.
Encaminhamentos
De acordo com Alessandro, o MDHC está comprometido em promover articulações com outros órgãos e instituições para levar os cinco encaminhamentos adiante. Ele explicou, por exemplo, que o fortalecimento da rede de proteção precisa envolver o Ministério Público e estruturas municipais, as quais devem ser capazes de dar atenção às denúncias e acompanhar os casos.
Em relação à casa de acolhimento, Alessandro disse que a ideia é que ela possa receber, abrigar e dar suporte às pessoas em situação de vulnerabilidade, que inclui LGBTQIA que saíram de casa ou que sofrem algum tipo de perseguição na aldeia.
Ele avaliou, porém, ser preciso uma união de esforços que permita não apenas tirar o projeto do papel, mas também pensar a gestão do espaço. Em sua visão, uma estrutura como essa deveria contar com a participação, por exemplo, do Ministério da Saúde, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do governo estadual.
O encontro também marcou a inauguração do programa Bem Viver , criado pelo MDHC para enfrentar a violência e promover os direitos das pessoas LGBTQIA nos territórios do campo, das águas e das florestas. “Estamos iniciando nesse ano com foco nas populações indígenas. O objetivo é dar sequência a um processo de formação”, contou Alessandro.
Está prevista para setembro a realização de um encontro com indígenas LGBTQIA em Salvador. Todas as ações no âmbito do programa são planejadas em diálogo com as comunidades e entidades indígenas e com outras estruturas do poder público.
Edição: Kleber Sampaio
Fonte: EBC